sexta-feira, 30 de maio de 2014

Iberê

Com o título "Um Trágico nos Trópicos", a mostra sobre Iberê Camargo no Centro Cultural Banco do Brasil (rua Álvares Penteado, 112 - Centro), em São Paulo, revela no título a essência de um dos grandes pintores brasileiros. Alguns textos assinados pelo próprio Iberê e o trabalho dos monitores direcionado às crianças que frequentam a exposição esclarecem a origem da alma trágica: o artista foi menino criado solitário nos campos gaúchos. Seus brinquedos eram os carretéis e eles se transformaram no tema mais recorrente na obra do pintor, da natureza morta à abstração.

Tem também as bicicletas. Elas marcam uma importante fase do artista. Iberê descreveu sua personalidade como a de um andante, um homem que carrega o fardo do passado e cruza desertos. Impossível não pensar em solidão ao ver seus ciclistas em cenários marcados pela bruma.

São pinturas pesadas, até agressivas. Na mostra, vídeos revelam o estilo de pinceladas fortes do gaúcho. É estranho comparar as pinceladas ao rosto sorridente e já envelhecido. As duas coisas não combinam. Ou apenas parecem não combinar. Os vídeos também dão a sensação de que Iberê nunca ficava satisfeito. Seus quadros têm várias camadas de tinta, o que virou uma forte característica.

"Ele tinha a alma atormentada", concluiu uma professora ao visitar a exposição.

É provável. Uma das histórias mais chocantes que já li sobre um artista tem Iberê Camargo como personagem principal. Ele matou um homem a tiros, em 1980. O pintor caminhava por Botafogo a procura de cartões de Natal. O engenheiro Sérgio Areal, 32 anos, saía de seu prédio e discutia com a mulher. Iberê parou para olhar, Areal foi tirar satisfações, os dois se esbarraram, começaram uma briga e o artista atirou. Foram cinco tiros e um assassinato que exilou ainda mais o artista dentro de si mesmo.

O jornalista e escritor Ivanir Yazbeck assina um texto recente sobre esse episódio. Diz que Iberê era programado para matar: fez curso de tiro e andava sempre armado.

Acho "programado para matar" forte demais, mas sem dúvida andar com uma arma mostra disposição para atirar. É para isso que servem as armas, afinal.

Mas como um homem com tantas sombras foi também um dos artistas mais sensíveis do Brasil? De que forma convivem na mesma pessoa o ser violento e o pintor, desenhista, gravurista e escritor que estudou na Europa com grandes nomes das artes plásticas?

É mistério.

A mostra no Centro Cultural Banco do Brasil oferece algumas pistas. Mas, ainda bem, ninguém nunca desvenda totalmente um artista.

Além da mostra, o lugar, por si só, vale a visita. Localizado no centro histórico de São Paulo, o CCBB

fica num prédio de 1901 e reúne espaço para exposições, cinema, teatro e uma charmosa cafeteria. Tem muitas atrações, a começar por sua arquitetura neoclássica

O local tem um serviço de vans que fazem o transporte gratuito entre um estacionamento na rua da Consolação, 228, e a esquina da rua 15 de Novembro com a rua da Quitanda, a 20 metros de sua entrada, com parada na estação República do Metrô depois das 20h. É para ninguém ter a desculpa de que é perigoso andar a pé pelo centro histórico à noite.