A criação solitária está entre as curiosidades a respeito do
artista australiano Ron Mueck, autor das esculturas hiper-realistas expostas na
Pinacoteca de São Paulo. Ele gosta de criar sozinho, sem a necessidade de
interagir com outras pessoas, pelo menos até o momento em que precisa de
auxiliares. Prefere as fotos aos modelos vivos. Gosta do som ambiente e de
ouvir rádio – nada de conversas.
Não por acaso, suas esculturas humanas chamam a atenção por
causa das expressões (e outros detalhes) que consegue reproduzir. E as expressões
mostram solidão e tensão.
Como acontece onde as obras passam, em São Paulo a
exposição atrai milhares de pessoas desde o início, em novembro. A fila vira o
quarteirão – mas anda rapidamente, o que a torna fácil de enfrentar.
Eu e minha filha não chegamos a ficar entusiasmadas com as
esculturas. Parecem grandes bonecos produzidos por um artista perfeccionista,
capaz de transformar diversos materiais em pele, músculos, pelos, cabelos. O
que mais impressiona são mesmo as expressões humanas.
Uma amiga alertou para o fato de que talvez seja interessante apreciar o talento de Mueck num ambiente mais tranquilo do que o
das salas lotadas da Pinacoteca.
É verdade: no meio de uma multidão produzindo selfies sem
parar, é difícil olhar com calma para as esculturas e perceber as nuances todas, a complexidade da arte.
O australiano vem de uma família fabricante de brinquedos.
O pai trabalhava com madeira. A mãe produzia bonecas de pano. Ele, de certa forma,
continua no ramo. Transformou os grandes e pequenos brinquedos em arte.
É irônico que um artista criador de figuras
aparentemente solitárias atraia multidões para apreciar seu trabalho. É irônico e é bom. O contraponto é pra lá de interessante.
Com os olhos e os ouvidos abertos e dispostos, a enorme
fila em torno da Pinacoteca pode ser encarada como a primeira etapa da concorrida
exposição. Ali, vivos e lutando para sobreviver, estão personagens que Mueck transformaria em esculturas de gestos tensos e olhares perdidos nos momentos de introspecção.
Eu escolheria a mulher de meia idade, culta, vestida de
forma simples, explicando para a filha adolescente a origem da arquitetura do
prédio.
- Os gregos usavam mármore no prédio todo. Os romanos só do
lado de fora. Por dentro eram tijolos parecidos com os da Pinacoteca.
O museu de arte mais antigo de São Paulo está instalado no
antigo edifício do Liceu de Artes e Ofícios, projetado pelo escritório do
arquiteto Ramos de Azevedo. Tem acervo com cerca de cem mil obras e espaços
para restauração, catalogação e educação.
Grandes painéis instalados no subsolo contam toda a
trajetória do museu. Um charmoso café tem como principal atração a vista para o
Jardim da Luz, onde esculturas estão misturadas à vegetação e velhas prostitutas ganham a vida.
É um passeio imperdível na cidade, com ou sem Ron Mueck.
Também escolheria os irmãos vendedores de sorvete. Aliás,
sorvete não. Paletas mexicanas. Fabricadas em casa, pela mãe dos garotos. Eles
esgotaram o estoque e mostraram que, mesmo no improviso, são profissionais. Estavam
uniformizados e prontos a orientar os consumidores sobre a melhor forma de
degustar uma paleta mexicana caseira.
Os humanos são atração dentro e fora da Pinacoteca.
Ron Mueck
De terça
a domingo, das 10h às 20h
Quinta,
das 10h às 22h
Praça da Luz – acesso fácil pelo metrô da Luz