quarta-feira, 2 de julho de 2014

A rua literária no centro de São Paulo

A campanha em defesa do petróleo brasileiro levou o escritor Monteiro Lobato à prisão, amargura e pobreza. Era assim, desgostoso, que ele vivia num apartamento na Barão de Itapetininga, uma das ruas literárias no centro antigo de São Paulo.

Como mostra o livro  "São Paulo Literalmente", do escritor, jornalista e fotógrafo João Correia Filho, foi nessa rua que Lobato morreu, no edifício Jaraguá.

Levei um susto ao ler isso porque já havia passado várias vezes por ali sem saber de nada. O fato da Itapetininga ligar a praça da República ao Teatro Municipal já parecia suficientemente encantador. Hoje fui até o local para ver de perto e com mais atenção o prédio do criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Sim, sou dessas.

Pois está lá a placa que informa sobre a morte do grande escritor, na madrugada do dia 4 de julho de 1948, vítima do que a imprensa da época chamava de "espasmo" cerebral. Foi o segundo e fatal espasmo do atormentado escritor na fase final de sua vida.

Dali, o corpo foi levado para a Biblioteca Mário de Andrade, na época biblioteca municipal, também na região. O velório e o enterro, no cemitério da Consolação, provocaram grande comoção. O Brasil perdia um de seus grandes escritores e também um homem cuja visão política não era valorizada como merecia. O sepultamento transformou-se numa das maiores (e raras) homenagens populares a um escritor brasileiro.

Parei em frente à placa no edifício e um moço ao lado virou-se para ver o que eu lia. Ele não havia percebido o que estava registrado ali.

- Monteiro Lobato? Viveu aqui? Morreu aqui? Esse livro que você segura é dele?

Não, era do João, o guia que nos alerta para não andar tão distraídos assim pelas ruas.

Tem mais. O livro mostra que nem só das memórias de Monteiro Lobato vive a Barão de Itapetininga. É preciso estar atento para outras delícias literárias.

Inaugurada em 1949 e um marco na época em que o centro era considerado chique, a Galeria Itá tem vários tipos de lojas no térreo e escritórios variados nos andares. O espaço mais surpreendente fica no nono andar e não é exagero chamar de paraíso dos livreiros. É a Livraria Calil Antiquária, o sebo mais antigo de São Paulo, segundo sua proprietária.

O guia "São Paulo Literalmente" conta um pouco da história da livraria e fala rapidamente sobre Maristela Calil, a proprietária. Senti, durante a leitura, que a livreira é uma pessoa muito simpática. Na visita, a sensação foi comprovada. Uma das melhores conversas dos últimos tempos.

O pai dela, Líbano Calil, deve ter sido uma das pessoas mais interessantes desse mundão. Era louco por livros e comerciante por natureza. Investiu a vida nisso. Passava o tempo todo no meio de seus milhares de exemplares e também entre escritores, que apareciam para os bate-papos. Como Monteiro Lobato.

E não é que a Barão de Itapetininga tem outra surpresa trazida à tona pelas pesquisas do meu amigo? É a Livraria Francesa, no prédio de número 275. Eu sei, eu sei, quem vive em São Paulo e gosta de literatura e cinema francês está cansado de saber onde fica essa pérola. Mas quem não está nesse grupo e não leu um guia como o do João não descobre tão facilmente o local, com vitrine localizada no interior do prédio.

Tudo em francês - filmes, livros, música e o atendimento, para quem precisa que assim seja. E, mais uma vez, uma atendente interessada em conversar sobre as belezas do centro, com muita simpatia.

Quem disse que não existe ternura em São Paulo?

Ternura e literatura resistem.