quinta-feira, 7 de agosto de 2014

No cemitério

Há um passeio guiado no Cemitério da Consolação, mas numa tarde de folga a decisão foi de andar sem programação. Sempre acontece alguma coisa interessante. Sempre. Então, entrei  sozinha. Quem sabe não acharia, mesmo sem orientação, as famosas esculturas encomendadas a artistas renomados? Ou túmulos históricos?

O passeio guiado com certeza ajuda muito quem procura informações, mas andar sozinha também é interessante. Quase escrevo divertido, mas ficaria um pouco demais usar essa definição para o lugar visitado.

O primeiro túmulo avistado foi o da Marquesa de Santos, personagem de São Paulo com que já “encontrei”, sem planejar, numa volta sem pretensões pelo centro da cidade.
Na primeira vez, perdi a noção do tempo ao percorrer o solar transformado em museu, no lugar onde a bela dama viveu após ser despachada da corte de D. Pedro I, seu amante. 

Dessa vez, entrei no cemitério e, à direita, vi o túmulo simples, que não remete aos anos de glamour vividos por Domitila de Castro Canto e Melo (1797-1867), transformada em marquesa por um gesto apaixonado e cheio de afronta do imperador.

Singelo, o túmulo da paulistana é, no entanto, dos mais interessantes. Rica, poderosa e caridosa, ela é uma das doadoras de dinheiro para a construção de parte do cemitério numa época em que ficou impossível seguir enterrando corpos no interior das igrejas. A doação da marquesa permitiu a construção da capela, próxima ao seu túmulo.

Uma placa informa sobre o gesto da velha dama. Outra pede para os visitantes não acenderem velas ou depositarem objetos no local. Outras três são de supostos beneficiados por graças concedidas por Domitila, conhecida em São Paulo pelos saraus promovidos no antigo casarão e por ser uma mulher de vanguarda.

Solta no cemitério, mas em busca de um pouco de direção, pergunto a um funcionário onde ficam os túmulos mais antigos.

- Ah, fia, não tem isso aqui não. É tudo misturado.

Sem guia, notei que o túmulo do empresário e mecenas Armando Álvares Penteado (1884-1947) é uma das peças valiosas da Consolação, mas não entendi o significado da capela negra e marrom, com oito pilares. Anotei a impressão de ter visto um monumento moderno, com toque oriental. Ao pesquisar, soube que a capela lembra a casa em que o mecenas viveu. O tal toque oriental ficou por minha conta. 

O jazigo da família Siniscalchi, construído no início do século 20, é dos mais bonitos e impressionantes. Moldado pela tradicional Marmoraria J. Savoia, é uma réplica de catedral gótica, com todos os seus detalhes. Uma obra de arte. 

Muito mais simples, mas também impressionante é o túmulo de Maria Judith de Barros, que teria morrido vítima da violência do marido. O túmulo é completamente coberto por placas de agradecimento de pessoas que teriam conseguido milagres com a ajuda da “santa popular”. Não dá para contar, tantas são as placas.

O jornalista Marcelo Duarte, autor da série de livros “O Guia dos Curiosos”, conta na publicação “São Paulo para Curiosos” que nos últimos anos Judith costuma ser muito procurada por vestibulandos desesperados para conquistar uma vaga na faculdade. Muitas das placas que estão ali são de estudantes bem sucedidos em seus objetivos. Sensacional.

Grandioso, como tudo na família, o mausoléu dos Matarazzo ocupa seis terrenos, segue o estilo pós-renascentista e, de tão monumental, chega a ser assustador com suas esculturas em bronze e granito. Ali, lamentei não ter talento para a fotografia. Num dos ângulos, o mausoléu contrasta com um prédio moderno (e feio), todo espelhado, na vizinhança. Passado e futuro se encontram num dos cantos mais silenciosos e escuros do cemitério. Sim, deu medo. 

Mais adiante, a espetacular escultura representando uma mulher cabisbaixa é do artista Antônio Celso, no túmulo de Lydia Piza de Rangel Moreira. Não sei quem são, mas basta olhar para ter a certeza: é uma das obras mais belas do local.  Selfies feitas no cemitério e espalhadas pelas redes sociais confirmam: a escultura é um dos cenários prediletos dos que não resistem ao ato de tirar fotos de si mesmos, em qualquer hora e lugar.

De Victor Brecheret, a clássica escultura Sepultamento, na foto, fica no túmulo da família Guedes Penteado. Mostra Cristo, sua mãe e quatro santas. É obra premiada do grande escultor. Só ela já vale a visita.

Para ler
Numa linguagem divertida e levemente picante, Paulo Setubal conta no livro “A Marquesa de Santos” a história da amante de D. Pedro I, da juventude à fase em que ela entrou em decadência na corte e foi obrigada a voltar a São Paulo.

  

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