Há um passeio guiado no Cemitério da Consolação, mas numa
tarde de folga a decisão foi de andar sem programação. Sempre
acontece alguma coisa interessante. Sempre. Então, entrei sozinha. Quem sabe não acharia, mesmo sem
orientação, as famosas esculturas encomendadas a artistas renomados? Ou túmulos
históricos?
O passeio guiado com certeza ajuda muito quem procura
informações, mas andar sozinha também é interessante. Quase escrevo divertido,
mas ficaria um pouco demais usar essa definição para o lugar visitado.
O primeiro túmulo avistado foi o da Marquesa de
Santos, personagem de São Paulo com que já “encontrei”, sem planejar, numa
volta sem pretensões pelo centro da cidade.
Na primeira vez, perdi a noção do tempo ao percorrer o
solar transformado em museu, no lugar onde a bela dama viveu após ser
despachada da corte de D. Pedro I, seu amante.
Dessa vez, entrei no cemitério
e, à direita, vi o túmulo simples, que não remete aos anos de glamour vividos
por Domitila de Castro Canto e Melo (1797-1867), transformada em marquesa por
um gesto apaixonado e cheio de afronta do imperador.
Singelo, o túmulo da paulistana é, no entanto, dos mais
interessantes. Rica, poderosa e caridosa, ela é uma das doadoras de dinheiro
para a construção de parte do cemitério numa época em que ficou impossível seguir enterrando corpos no interior das igrejas. A doação da marquesa permitiu a construção
da capela, próxima ao seu túmulo.
Uma placa informa sobre o gesto da velha dama. Outra pede
para os visitantes não acenderem velas ou depositarem objetos no local. Outras
três são de supostos beneficiados por graças concedidas por Domitila, conhecida
em São Paulo pelos saraus promovidos no antigo casarão e por ser uma mulher de vanguarda.
Solta no cemitério, mas em busca de um pouco de direção,
pergunto a um funcionário onde ficam os túmulos mais antigos.
- Ah, fia, não tem isso aqui não. É tudo misturado.
Sem guia, notei que o túmulo do empresário e mecenas
Armando Álvares Penteado (1884-1947) é uma das peças valiosas da Consolação,
mas não entendi o significado da capela negra e marrom, com oito pilares.
Anotei a impressão de ter visto um monumento moderno, com toque oriental. Ao
pesquisar, soube que a capela lembra a casa em que o mecenas viveu. O tal toque oriental ficou por minha conta.
O jazigo da família Siniscalchi, construído no início do
século 20, é dos mais bonitos e impressionantes. Moldado pela tradicional
Marmoraria J. Savoia, é uma réplica de catedral gótica, com todos os seus
detalhes. Uma obra de arte.
Muito mais simples, mas também impressionante é o túmulo
de Maria Judith de Barros, que teria morrido vítima da violência do marido. O
túmulo é completamente coberto por placas de agradecimento de pessoas que
teriam conseguido milagres com a ajuda da “santa popular”. Não dá para contar,
tantas são as placas.
O jornalista Marcelo Duarte, autor da série de livros “O
Guia dos Curiosos”, conta na publicação “São Paulo para Curiosos” que nos
últimos anos Judith costuma ser muito procurada por vestibulandos desesperados
para conquistar uma vaga na faculdade. Muitas das placas que estão ali são de
estudantes bem sucedidos em seus objetivos. Sensacional.
Grandioso, como tudo na família, o mausoléu dos Matarazzo
ocupa seis terrenos, segue o estilo pós-renascentista e, de tão monumental,
chega a ser assustador com suas esculturas em bronze e granito. Ali, lamentei
não ter talento para a fotografia. Num dos ângulos, o mausoléu contrasta com um
prédio moderno (e feio), todo espelhado, na vizinhança. Passado e
futuro se encontram num dos cantos mais silenciosos e escuros do cemitério.
Sim, deu medo.
Mais adiante, a
espetacular escultura representando uma mulher cabisbaixa é do artista Antônio
Celso, no túmulo de Lydia Piza de Rangel Moreira. Não sei quem são, mas basta
olhar para ter a certeza: é uma das obras mais belas do local. Selfies feitas no cemitério e espalhadas
pelas redes sociais confirmam: a escultura é um dos cenários prediletos dos que
não resistem ao ato de tirar fotos de si mesmos, em qualquer hora e lugar.
De Victor Brecheret, a clássica escultura Sepultamento, na foto, fica no túmulo da família Guedes Penteado. Mostra Cristo, sua mãe e quatro santas. É
obra premiada do grande escultor. Só ela já vale a visita.
Para ler
Numa linguagem divertida e levemente picante, Paulo
Setubal conta no livro “A Marquesa de Santos” a história da amante de D. Pedro
I, da juventude à fase em que ela entrou em decadência na corte e foi obrigada
a voltar a São Paulo.
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