sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Ron Mueck - a solidão encontra a multidão

A criação solitária está entre as curiosidades a respeito do artista australiano Ron Mueck, autor das esculturas hiper-realistas expostas na Pinacoteca de São Paulo. Ele gosta de criar sozinho, sem a necessidade de interagir com outras pessoas, pelo menos até o momento em que precisa de auxiliares. Prefere as fotos aos modelos vivos. Gosta do som ambiente e de ouvir rádio – nada de conversas.  

Não por acaso, suas esculturas humanas chamam a atenção por causa das expressões (e outros detalhes) que consegue reproduzir. E as expressões mostram solidão e tensão.
Como acontece onde as obras passam, em São Paulo a exposição atrai milhares de pessoas desde o início, em novembro. A fila vira o quarteirão – mas anda rapidamente, o que a torna fácil de enfrentar.

Eu e minha filha não chegamos a ficar entusiasmadas com as esculturas. Parecem grandes bonecos produzidos por um artista perfeccionista, capaz de transformar diversos materiais em pele, músculos, pelos, cabelos. O que mais impressiona são mesmo as expressões humanas.

Uma amiga alertou para o fato de que talvez seja interessante apreciar o talento de Mueck num ambiente mais tranquilo do que o das salas lotadas da Pinacoteca.

É verdade: no meio de uma multidão produzindo selfies sem parar, é difícil olhar com calma para as esculturas e perceber as nuances todas, a complexidade da arte.   

O australiano vem de uma família fabricante de brinquedos. O pai trabalhava com madeira. A mãe produzia bonecas de pano. Ele, de certa forma, continua no ramo. Transformou os grandes e pequenos brinquedos em arte.

É irônico que um artista criador de figuras aparentemente solitárias atraia multidões para apreciar seu trabalho. É irônico e é bom. O contraponto é pra lá de interessante.

Com os olhos e os ouvidos abertos e dispostos, a enorme fila em torno da Pinacoteca pode ser encarada como a primeira etapa da concorrida exposição. Ali, vivos e lutando para sobreviver, estão personagens que Mueck transformaria em esculturas de gestos tensos e olhares perdidos nos momentos de introspecção.

Eu escolheria a mulher de meia idade, culta, vestida de forma simples, explicando para a filha adolescente a origem da arquitetura do prédio.

- Os gregos usavam mármore no prédio todo. Os romanos só do lado de fora. Por dentro eram tijolos parecidos com os da Pinacoteca.

O museu de arte mais antigo de São Paulo está instalado no antigo edifício do Liceu de Artes e Ofícios, projetado pelo escritório do arquiteto Ramos de Azevedo. Tem acervo com cerca de cem mil obras e espaços para restauração, catalogação e educação.

Grandes painéis instalados no subsolo contam toda a trajetória do museu. Um charmoso café tem como principal atração a vista para o Jardim da Luz, onde esculturas estão misturadas à vegetação e velhas prostitutas ganham a vida.

É um passeio imperdível na cidade, com ou sem Ron Mueck.

Também escolheria os irmãos vendedores de sorvete. Aliás, sorvete não. Paletas mexicanas. Fabricadas em casa, pela mãe dos garotos. Eles esgotaram o estoque e mostraram que, mesmo no improviso, são profissionais. Estavam uniformizados e prontos a orientar os consumidores sobre a melhor forma de degustar uma paleta mexicana caseira.

Os humanos são atração dentro e fora da Pinacoteca.

Ron Mueck
De terça a domingo, das 10h às 20h
Quinta, das 10h às 22h
Praça da Luz – acesso fácil pelo metrô da Luz
  


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