terça-feira, 7 de abril de 2015

Caixa Cubo - a música brasileira resiste

“Arrasta essa gente aí, Pimentinha”, pediu Vinicius de Moraes. O bilhete, claro, era para Elis Regina, que entraria no palco do I Festival Nacional da Música Popular Brasileira para defender “Arrastão”, um clássico dos festivais, da música brasileira e da parceria entre Vinicius (letra) e Edu Lobo (música).

“Arrastão” venceu o festival realizado em 1965 e consagrou Elis. Foi um marco. A cantora, ainda com o visual anos 50 de Porto Alegre, ignorou as regras do canto minimalista da bossa nova e soltou o vozeirão. Soltou também os braços no estilo hélice giratória.  Inesquecível.

“Olha o arrastão entrando no mar sem fim
He, meu irmão, me traz Iemanjá pra mim”

No show “Redescobrir”, Maria Rita fez as pazes definitivamente com a memória da mãe ao girar os braços delicadamente na segunda parte da canção, uma das interpretadas na homenagem a Elis.

Na plateia dos espetáculos da turnê, fãs antecipavam o gesto que simbolicamente liga as duas grandes cantoras, mãe e filha que pouco se conheceram.

Reencontrei “Arrastão” na segunda-feira pós-Páscoa. Depois do feriadão, o dia tinha tudo para ser tedioso do início ao fim. Não foi, pelo menos em sua parte final.

A música de Edu Lobo, em um arranjo jazzístico, foi uma das tocadas no show de lançamento de “Misturada”, álbum do grupo Caixa Cubo Trio, formado pelos músicos Henrique Gomide (piano), João Fideles (bateria) e Noa Stroeter (baixo).

Os três viveram os últimos anos entre o Brasil e a Holanda, onde cursaram mestrado no Real Conservatório de Haia. Intercalaram estudos, ensaios, gravações e apresentações na Europa. Têm cara e jeito de meninos, mas já estão escolados.

O projeto Caixa Cubo é múltiplo e permite várias formações e propostas estéticas. Do samba ao jazz, passando pelo baião. Ou vice-versa.

Preciso dizer: fiquei chocada, no bom sentido, com a combinação juventude-dos-músicos mais grande-talento-dos-mesmos. Como pode, com aquelas caras de garotos, já terem chegado ao alto nível que quem estava no Sesc Consolação viu, ouviu e aplaudiu?

De acordo com o crítico Carlos Calado, o trio é a prova de que a falta de interesse da juventude pela música instrumental não passa de uma falácia.

Eles chegaram ao Sesc Consolação após participar de festivais de jazz na Europa e se apresentaram para uma plateia que reunia vários músicos experientes.

Não sou capaz de ler pensamentos, mas aposto em algo pairando por todas as mentes presentes: a genial música brasileira sobrevive.

“Misturada” resume bem o que os músicos do trio Caixa Cubo gostam de fazer: experimentar formas diferentes de tocar, não ficar presos a estilos, ir da música clássica à eletrônica, propor parcerias, renovar e, ao mesmo tempo, ter orgulho das influências do passado, citadas o tempo todo.

O álbum foi produzido por Rodolfo Stroeter, instrumentista do grupo Pau Brasil, entre outras dezenas de atribuições musicais. Ele é pai de Noa e, ao ouvir os garotos tocarem um repertório pronto nos ensaios e estudos, começou a bem sucedida produção.  

Assim como a apresentação do trio Caixa Cubo, os espetáculos instrumentais de toda segunda-feira à noite são de graça no Sesc Consolação (rua Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque).

No final do show de lançamento de “Misturada”, os músicos responderam algumas perguntas do público e ouviram uma solicitação direcionada aos produtores do Sesc: “Levem esses músicos para todas as unidades”.

Sim, levem. Todo mundo merece ouvi-los.

A foto é do site do trio.

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