quarta-feira, 22 de abril de 2015

É feio. E é bonito

Cruzo diariamente algumas das ruas sob o Elevado Costa e Silva, mais conhecido como Minhocão, na região central de São Paulo. Sempre penso: como deixaram o Maluf fazer isso? Por que as pessoas não foram para a rua protestar, não deitaram no asfalto, não impediram o trânsito, não mandaram ele construir o monstrengo na porta da casa dele?

Dia desses, um amigo respondeu o que eu já sabia.

O Minhocão foi construído na década de 1970, em plena ditadura militar. Maluf, prefeito nomeado pelos militares, fazia o que bem entendesse em São Paulo. E entendeu que aquele monte de concreto sinuoso era o melhor para agilizar o trânsito na região e, claro, para alavancar a carreira política dele.

Os moradores dos bairros afetados não foram consultados, isso talvez nem existisse na época. Para dar um toque a mais no absurdo, o prefeito biônico deu o nome de um ditador dos "anos de chumbo" para a obra sem poesia. Costa e Silva, eis o nome da "cicatriz" urbana.

Imagino o que os moradores dos diversos edifícios localizados rentes ao pontilhão sentiram ao abrir a janela e ver a paisagem drasticamente transformada. Segundo os ativistas do movimento Parque Minhocão, os veículos chegam a passar a apenas cinco metros de alguns dos apartamentos localizados ao longo do percurso.

Numa caminhada pelo elevado, que atualmente fica fechado para o tráfego de veículos durante todo o dia nos domingos e feriados e também durante a noite, vi uma cena inacreditável. O Minhocão praticamente encosta numa das sacadas. Isso significa que, além do barulho e da poluição no dia a dia, basta um pulo para qualquer pessoa entrar no apartamento, nos dias em que o elevado está aberto aos pedestres.

Os tempos são outros e hoje em dia o destino do Minhocão é alvo de discussões, debates, projetos e ideias que circulam sem restrições. O mais recente Plano Diretor da cidade prevê que seja desativado progressivamente até ser demolido ou transformado em parque.  

Fracasso urbanístico, obra polêmica, desastre, culpado pela degradação dos bairros no entorno, símbolo da falta de planejamento, aberração... O fato é que o elevado com nome de ditador foi incorporado à paisagem urbana, virou cenário para filmes, novelas e fotos. É sim a cara de São Paulo.Uma das caras. Mais recentemente, por causa dos horários em que fecha para o trânsito, foi assumido por milhares de moradores como espaço de lazer.

Num domingo à tarde qualquer, vira quadra de futebol, pista de corrida e caminhada, ciclovia, terraço para churrasco e piquenique, palco de teatro, encontro de amigos fãs da maconha, entre outras utilidades. É bonito ver tudo isso.  

Ali acontece, de forma espontânea, o sonho dos movimentos que defendem a ocupação das ruas como atitude para exercer o direito à cidade: a população se apropriou do espaço destinado originalmente apenas aos veículos.

E, bem... Do alto,




o Minhocão é bonito, inclusive no que diz respeito à decadência dos prédios no seu entorno. A feiura tem sua belezura, inspirou-se outro amigo. Vários símbolos de São Paulo são avistados numa caminhada pelo elevado: o Copan, a igreja de Santa Cecília, o Castelinho da rua Apa, a praça Roosevelt, os inferninhos, grupos de teatro que transformam as janelas em pequenos palcos, enfim, a vida que segue ali, bem perto dos nossos olhos.

Para saber mais sobre o movimento que defende o Parque Minhocão, veja aqui.

 

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